sábado, 29 de outubro de 2011

Não quero colocar nenhum título para não usar nenhum nome feio

Esse é um post triste, refletindo sobre uma criança de 8 meses que faleceu no hospital essa semana. Seu nome é Micayla Naguya, e veio ao hospital desidratada, apática, com febre, com história de diarréia há 2 meses, já tendo tido passado por várias clínicas antes de ir ao hospital, sem sucesso nos tratamentos.
Começamos tratamento para infecções intestinais, febre tifóide, malária (que mostrou-se positiva) e amebíase, mas a criança não reagiu e só foi piorando. Veio a falecer dois dias após ter chegado ao hospital, a despeito dos tratamentos instituídos.
Se você me perguntar qual o diagnóstico definitivo da pequena, vou dizer que não sei. Um dos graves problemas que temos é a falta de recursos diagnósticos, além da falta de medicações.
Um dos elementos muito tristes da história dessa menina, comum a tantas outras histórias aqui, é que a família provavelmente vai “diagnosticar” que alguém, na vizinhança ou mesmo na própria família, fez algum feitiço que matou a criança.
É uma tristeza. Não vão culpar a falta de saneamento, de medicamentos, de exames, de competência, a corrupção que atrapalha o desenvolvimento, coisas assim. Essas coisas eles não percebem. Foi o feitiço que matou a menina! Me desculpem os antropólogos que acreditam que isso é cultural e não se deve mexer nisso. Essas crenças só estimulam o atraso, e deixam as pessoas presas às práticas de feitiçaria e ao medo. Só o Senhor para mudar essa realidade. Que Ele use o Seu povo para isso.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Trabalhando com Dra Karen


Desde o início de agosto, tenho tido a alegria de trabalhar por 1 dia da semana em uma clínica distante do Lubango uns 30 km. Apesar da distância pequena, é impressionante como a realidade do local é diferente da do hospital CEML, onde trabalho nos outros dias. Ali nessa clínica atendemos mais pessoas que moram em pequenas vilas, nos seus casebres, distantes da cultura da cidade. Poucos que são atendidos ali falam o português, e sempre é preciso alguém ou da família ou funcionário da clínica para traduzir a consulta. Muitos vivem em condições muito precárias, e a malária e a tuberculose são muito freqüentes. Ali na clínica vive há uns 20 anos a Dra Karen, médica canadense, que tem dedicado sua vida ao atendimento dessas populações, esquecidas e desprezadas por muitos, mas não por Deus e por aqueles que se dispõem a servi-los, como é o caso da Dra Karen. Dá gosto estar ali, e ver o seu carinho, atenção e dedicação, lutando contra muitas resistências para combater doenças que já deveriam ter sido erradicadas da face da terra, não fosse a pobreza e baixas condições de vida de uma grande parte da população mundial. Muitas vezes ela tem que lutar contra as próprias estruturas de saúde do país, para garantir que as medicações sejam providas a essa população. Dra Karen é um doce de pessoa, mas “boa de briga”, quando é preciso.
Trabalhando ali também deixou claro como a “burrocracia” trabalha contra o povo. Dra Karen teve que ir às pressas para o Canadá, devido a uma situação de cirurgia de urgência de seu pai, com sua mãe já idosa sem condições de lidar com a situação sozinha (a gente percebe que no chamado primeiro mundo não existe a estrutura familiar e comunitária para atuar nessas ocasiões, como existe nos chamados Terceiro e Quarto Mundos). Como eu tinha que sair também, pela renovação dos vistos, a clínica ficou sem médico algum. Deixei meu telefone com os enfermeiros, que poderiam discutir comigo se algum caso mais grave chegasse ali. Enquanto estava batendo a cabeça com a burocracia da embaixada aqui, que não queria aceitar a minha carteira de identidade que havia sido emitida pelo Conselho Regional de Medicina (o que já havia sido aceito várias vezes antes!!), o enfermeiro esteve em contato comigo por causa de uma menina de seis anos, que chegou lá toda inchada; me parecia pela descrição uma descompensação cardíaca, talvez por um problema congênito ou infeccioso. Pois é, enquanto lutávamos contra a burocracia, a menininha morreu. É claro que não dá para dizer que se eu estivesse lá a menina seria salva, mas dá para dizer que esses “burrocratas”, que vivem tranquilamente no Brasil, não estão nem aí para o seu próprio povo, morrendo sem atendimento médico. DESABAFEI!!

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Riqueza e pobreza


Depois de um bom tempo sem postar aqui, acho que sem inspiração, venho novamente colocar uma pequena reflexão. O Brasil é considerado uns dos campeões mundiais da desigualdade social, mas aqui a coisa parece ser pior. Talvez a situação aqui não apareça nas estatísticas pois ninguém sabe quanto dinheiro os mais ricos têm e também a pobreza não é dimencionada. Essa foto, tirada por nossa amiga Caroline Petraconi, mostra um pouco da realidade aqui: um carrão enorme, modelo Hummer, e várias mulheres com suas bacias e crianças dependuradas, a busca de vender alguma coisa para sustentar suas famílias. São duas coisas que impressinam aqui: a pobreza de tantos e o número de carros importados e de luxo. É até difícil de acreditar; choca mesmo. Infelizmente, parece que no Brasil também não nos importamos muito com o contraste entre a pobreza de muitos e a riqueza que muitas vezes é canalizada para luxo e vaidades. Infelizmente nosso coração tem a tendência de prestar mais atenção nos que têm mais do que nós e esquecer rapidamente dos menos favorecidos. Tenho que confessar que minha tendência é prestar mais atenção nos "carrões" do que nos pobres desse mundo. Devemos seguir o exemplo do Senhor, que se associou não aos que tinham muito, mas aos que eram escória. "Sempre que o fizerdes para um desses pequeninos, é a mim que o fazeis" disse o Senhor. Temos que repensar nosso conceito de pobreza e riqueza, cultivando verdadeiros "tesouros" que nunca se acabam, não podem ser roubados ou corroídos pela inflação ou por oscilações do mercado. Que o Senhor nos dê o Seu coração.

sábado, 11 de junho de 2011

Há quanto tempo você tem esse problema?


Estou escrevendo sobre esse paciente na foto, para ilustrar um problema comum que encontramos no hospital. Como podem ver, esse paciente apresenta uma massa enorme sob sua mandíbula, que empurrava a língua e já estava dificultando a fala e também a deglutição. Ele vinha de uma pequena cidade a uns 400 km de distância. Sua idade é 21 anos, e quando perguntei há quanto tempo aquilo estava crescendo, para meu espanto ele me respondeu: “desde que eu era bebê”. Demorei um pouco a acreditar, mas infelizmente essa é a realidade no país. As pessoas que vivem um pouco mais distantes dos centros urbanos muitas vezes não têm qualquer médico na região que possam consultar. Quando moram nos centros urbanos, existem médicos, mas o acesso muitas vezes é difícil e a qualidade muitas vezes deixa muito a desejar, sem contar que muitas vezes os pacientes são maltratados, além de mal tratados (deu para fazer um trocadilho?). Assim, não faz muito parte da cultura procurar pelo médico diante de algo com que se dê para conviver. Se a coisa começa a piorar ou a preocupar, a primeira opção na maioria das vezes não é procurar algum atendimento médico, mesmo que exista por perto, o que nem sempre é o caso como disse. As pessoas geralmente procuram algum tipo de curandeiro, mesmo porque acreditam que todas as doenças vêem de algum mal olhado ou feitiço que alguém colocou. Se, depois da “mandinga” a coisa não se resolve, e principalmente se há piora, passa-se a considerar procurar atendimento médico. O nosso paciente nasceu com um pequeno cisto que foi crescendo progressivamente. Como conseguia conviver com o problema, apesar do desconforto e do óbvio problema estético, ele foi levando por anos e anos, até que o volume aumentou demais e passou a atrapalhar sua fala e alimentação. Quando vi essa massa enorme, e diante da história que o paciente contou, me lembrei que na pediatria estudávamos um tipo de cisto, chamado cisto tireoglosso, que crescia na região. O que era quase inacreditável é que nunca tivesse sido abordado e tivesse chegado a esse tamanho. Graças a Deus o Dr Steve Foster tem uma boa reputação por todo o país, e esse paciente, mesmo morando longe, tinha conhecimento do nosso hospital e veio consultar conosco. Encaminhei-o ao Dr Foster, que agendou a cirurgia e corrigiu o problema. O lema do nosso hospital é “Saúde através de Jesus Cristo”. A razão de estarmos ali é para que haja atendimento médico de qualidade disponível, e que as pessoas cada vez menos recorram aos “curandeiros”, se expondo a todo tipo de complicação, tanto do ponto de vista médico quanto do ponto de vista espiritual; para que possar deixar os mitos e enganos e conhecer “o Caminho, a Verdade, e a Vida”.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Espera recompensada / Visita a Victoria Falls - Zimbábue














Enquanto estamos esperando os vistos para voltar ao trabalho, tivemos um presente divino. Um casal de missionários nos presenteou com uma semana de hospedagem em Victoria Falls, no Zimbábue. É um dos lugares mais lindos do mundo, considerado uma das sete maravilhas naturais do mundo, junto com a nossa Baía de Guanabara, o Himalaia, Grand Canion, e outras três. Assim, viajamos de carro cerca de 1450 km e passamos uma semana ali. Na viagem, além de conhecermos um pouco de Botswana, um belo país com uma boa estrutura de turismo, pudemos ver alguns elefantes e antílopes ao lado da estrada.
Em Zimbabue, além de termos ficado em um belo condomínio, com presença constante de pequenos javalis, babuínos, e alguns viadinhos (os animais mesmo hehehe) ao redor da nossa casa, pudemos visitar as magníficas cataratas, uma das vistas mais impressionantes do mundo. Era época de cheia e o vapor que sobe das quedas, pelo volume das águas, forma nuvens de "spray" que sobem a uns 100 m acima do topo das cataratas, molhando bastante quem se aproxima.
No parque das cataratas também encontramos a famosa estátua em homenagem ao missionário médico pioneiro e desbravador do interior africano David Livingstone (1813-1873). Aos que questionam os benefícios da presença missionária na África, recomendo o excelente artigo, escrito por um jornalista britânico ateu, em inglês, discutindo sobre o efeito do Evangelho na África: http://www.timesonline.co.uk/tol/comment/columnists/matthew_parris/article5400568.ece
Na região também, além do impressionante rio Zambezi, que forma as cataratas, e no qual fizemos um passeio de barco, assistindo hipopótamos e crocodilos em seu habitat, a gente pode fazer passeios e ver todo tipo de animais selvagens, como antílopes, girafas, elefantes, entre outros. A quantidade de elefantes é tão impressionante, que vimos passar em frente ao nosso carro, num passeio ao Parque Nacional do Zambezi, uma manada de quase uns 100 elefantes, de todos os tamanhos. Eles também visitavam o poço de água em frente ao nosso hotel, e até a estrada próxima à cidade. Tiramos muitas fotos e ficamos a apenas uns 5 metros desses enormes mamíferos. Muito legal.
Foi uma viagem inesquecível, presente de Deus.
As fotos (selecionadas entre mais de 700!) mostram um pouco da nossa experiência.
Agora é continuar aguardando os vistos...
Legenda das fotos de baixo para cima: 1)Família em frente à estátua do David Livingstone 2a5)Fotos no parque das Cataratas de Victoria 6)David e Paula na ponte sobre o canion do Rio Zambezi, dividindo Zimbábue e Zâmbia 7)Meninos estudando na varanda da nossa casa em Victoria Falls 8)Javalis em frente a nossa casa 9 a 12)Girafas, crocodilo e hipopótamos que vimos na região 13)Elefantes no poço em frente ao hotel no condomínio onde estávamos

sábado, 7 de maio de 2011

Dr Collins ou Charlie Sheen?


Esse simpático senhor da foto se chama Steve Collins. Ele nasceu no interior de Angola, filho de missionários que trabalhavam na área rural, na primeira metade do século XX. Ele viveu em Angola a maior parte de sua vida, apesar de ter saído para estudar no Canadá, terra de seus pais, onde se formou em medicina. Voltou para exercer a medicina em Angola, e, nos anos da guerra ainda, sentiu a necessidade de se especializar em cirurgia para cataratas. De volta a Angola, ele viaja por todo o país dando literalmente "vista aos cegos". É uma alegria ver pessoas idosas, que às vezes estão há anos sem enxergar nada, de um dia para o outro terem sua visão restaurada. É comum ver essas pessoas cantando e dançando de alegria depois de poderem ver novamente.

Aí você pode estar se perguntando o que o Charlie Sheen tem a ver com isso. Bem, na verdade nada. Me chamou a atenção há alguns dias as notícias de que o Charlie Sheen, figura freqüente na mídia, ultimamente com notícias focalizando sua vida de vícios e promiscuidade, após ser desligado da série "One and a Half Man", teve os ingressos para sua recém-lançada turnê rapidamente esgotados, e teve o recorde de seguidores do Twitter ao abrir sua conta, atingindo um milhão de seguidores em 24 horas.

A pergunta que eu faço é por que o mundo provavelmente nunca vai ouvir falar do Dr Collins, com todo o bem que faz aqui, e a notoriedade que pessoas como Charlie Sheen, Britney Spears, Lindsay Lohan, Paris Hilton, só para citar alguns, atingem. O mundo coloca nos holofotes essas pessoas que têm muito pouco a oferecer (na verdade são dignos da nossa compaixão e não da nossa admiração ou inveja), ignorando pessoas com uma grandeza de caráter enorme, que passam suas vidas no anonimato em certo sentido.

Isso talvez nos mostre quais são realmente os valores de nossa sociedade, por mais que tentemos nos convencer que a bondade, a caridade, o amor, o auto-sacrifício, etc, são valorizados por nós como sociedade. Que mais pessoas possam começar a "seguir" os Dr Collins da vida e menos os "Charlie Sheens".

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Vencemos a viagem!



Estávamos preocupados com a viagem que faríamos: mais ou menos 1300 km, sendo 450 em Angola e o restante na Namíbia. A parte de Angola tem um trecho de 90km em que 80km estão totalmente destruídos, diferentemente do restante do trajeto. Levamos 4 horas (literalmente) para percorrer esses 80 km, e outras 4 horas para percorrer os outros 380 km em que as condições são boas. A foto da postagem mostra um pouco da situação. Se repararem, há uma estradinha ao lado da estrada principal. Na verdade, sempre há duas ou três estradas menores, abertas devido às péssimas condições da estrada principal. Isso leva a gente a perguntar por que se abrem estradas paralelas e não se conserta a estrada principal. Por que, quando o país recebe divisas devido à exportação de petróleo e diamantes principalmente, não se investe na principal via de comércio terrestre, que traz coisas da Namíbia e da África do Sul, evitando atrasos, perdas, etc? Parece que a resposta é óbvia, não muito diferente do que temos no Brasil, apenas um pouco piorado: os governantes estão mais preocupados com seus próprios "problemas" do que com os problemas do país.
A outra foto é da famosa árvore daqui, muito vistosa, o umbundeiro, símbolo da terra e também lugar ao redor do qual a comunidade se reúne. Muito bonita árvore. No nosso caminho, era fonte de inspiração e também providenciava o único local de abrigo em quilômetros e quilômetros de estrada sem posto ou lanchonete disponíveis.
Na fronteira, outra "batalha" que temíamos em parte, foi tudo relativamente tranquilo. O único problema é que apesar de estarmos no domingo de páscoa e próximo ao horário de fechamento da fronteira, não tínhamos o tumulto de sempre mas havia literalmente dezenas de jovens tentando "ajudar". Só que essa "ajuda" não era muito bem vinda. Eles nos cercam, querendo nos direcionar no que fazer, mas em troca de dólares e numa disputa acirrada entre eles. Uma situação muito desconfortável. Para piorar a situação, não há qualquer sinalização ou direcionamento por parte dos funcionários da fronteira, e um guarda quis me "multar" dizendo que parei o carro no lugar errado, apesar de haver dezenas de outros carros lá e não haver qualquer indicação de onde se deve parar. Argumentei com ele o absurdo da tal multa, que obviamente era só uma tentativa de extorquir, dada a inconsistência da mesma. Ele acabou amolecendo, apesar de que o rapaz que acabou nos "ajudando" disse que o guarda estava esperando seu "pagamento". Pregamos para o rapaz, que estava quase alcoolizado, e falamos da esperança em Cristo para uma nova vida. Ele acabou concordando que não deveríamos dar a grana que o guarda pediu e passamos sem maiores problemas, graças a Deus.
No lado da Namíbia ainda eram cerca de 800km a vencer, mas pernoitamos perto da fronteira e no outro dia fizemos a viagem sem maiores problemas. Nos chamou atenção que enfrentamos umas 6 ou 7 barreiras policiais, mas, ao invés de estarem atrás de propinas, estavam mesmo buscando irregularidades, especialmente motoristas que estavam excedendo no feriado prolongado, seja na bebida ou na velocidade.
Com um coração agradecido e aliviado chegamos no fim do segundo dia a Windhoek, capital na Namíbia, onde vamos aguardar nosssos vistos para voltarmos ao trabalho.
Orem conosco para que nosso tempo aqui seja breve e abençoado.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Terra da vida e da morte

A taxa de natalidade aqui é incrível. Dá uma média de seis filhos por mulher. É muito comum a gente encontrar mulheres jovens com oito e até dez filhos. Um amigo nosso ginecologista do Brasil disse que estava ajudando em um projeto de atendimento de casos de infertilidade em Luanda e nossa reação foi mais ou menos assim: você está louco? O que eles mais têm aqui é fertilidade.

O triste é que muitas vezes, dos oito ou dez filhos, 2 ou 3 ou 4 já morreram, por muitos motivos, geralmente ainda pequenos. Além da enorme taxa de natalidade, a mortalidade infantil é altíssima, e a expectativa de vida aqui ainda é na faixa dos 40 anos de idade. A malária, a febre tifóide, a tuberculose, sem falar na SIDA, matam muito aqui, sem contar as outras causas comuns também ao resto do mundo.

No último sábado assinei três atestados de óbito (e olha que o hospital só tem cerca de 35 leitos). Um dos casos não me deixou tão triste, já que era um senhor que vinha sofrendo de câncer de estômago já há dois anos, e sabíamos que ia morrer a qualquer momento. Os outros dois porém me deixaram muito triste: um era uma criança de 6 anos, que estava há vários dias no Hospital Pediátrico aqui da cidade e os pais resolveram levar para o nosso hospital. Já chegou muito grave, com infecção generalizada na barriga, causada pela bactéria Salmonella da Febre Tifóide. Uma doença basicamente causada por água não filtrada e contaminada. Dr Foster o operou mas não pode fazer muito, já que a infecção estava alastrada por todo abdome.

O outro caso me deixou também muito triste: uma criança de 9 anos, que chegou ao hospital com crises convulsivas de início há alguns dias, e não tivemos condições de dar nenhum diagnóstico específico, só descobrimos que a criança tinha também um problema no coração, que não temos certeza se fazia parte do mesmo problema. Tentamos controlar as crises, mas com dificuldades para conseguir as medicações aqui a criança acabou falecendo de complicações. Fiquei muito chateado pois não tivemos a chance nem de dar o diagnóstico; ou seja, de saber se era algo que poderia ser tratado ou não.

Assim, temos esse contraste absurdo, onde o nascimento e a morte são experiências tão frequentes aqui. Parece que as famílias estão continuamente celebrando a morte e a vida, o nascimento ou o falecimento de alguém. Talvez a morte e o nascimento sejam até um pouco banalizados, diante da frequência com que acontecem aqui.

Estava lendo um texto em que o autor chamava a atenção para o fato de que nesses momentos em especial a fragilidade humana é exposta com muita força.

Infelizmente, já que nosso hospital é mais um hospital geral e menos uma maternidade (apesar de que temos também partos lá), convivemos muito mais com a morte do que com o nascimento.

Nossa oração é que possamos ser aqui testemunhas do Senhor, o autor e doador da vida, e que venceu a morte por nós. Oramos também para que sejamos seus instrumentos para salvar vidas, tanto no sentido natural quanto no sentido espiritual.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Você já ouvir falar no Cavango?






De vez em quando aparece umas viagens muito legais. Fomos neste final de semana para uma missão onde a irmã do Dr. Foster, Shelley, que é enfermeira, e seu marido Peter moram. O lugar é no meio do nada e, por isso mesmo, se parece mais com a África que a gente conhece nos filmes. Muito lindo! Tem um rio maravilhoso que passa a uns 3 km da casa deles. O nome do lugar é Cavango, e é onde o pai deles, Dr. Bob Foster, morou muitos anos, na década de 60 e 70, construindo um hospital onde havia uma colônia de leprosos. Eles agora reconstruíram lá uma clínica onde o Du foi dar umas consultas. Fomos no aviãozinho da Asas do Socorro. Um barato voar baixinho sobre o rio! O que é muito triste é que na missão do Cavango, onde havia um hospital e várias casas de missionários e funcionários do hospital, e os doentes, hansenianos ou não, com suas família, também moravam por ali. Aí, no início da guerra, chegaram as tropas do governo com soldados cubanos e destruíram tudo. A família do Dr. Foster morava lá e eles só não morreram porque estavam viajando, mas perderam tudo. Os leprosos que não conseguiram fugir foram mortos por pura covardia. Dá uma tristeza ver tantas ruínas ali, sinais muito fortes de toda a destruição que significou a guerra, marca visível da maldade humana. Mas a esperança renasce, não é mesmo? O pessoal está aproveitando o alicerce que ficou das casas e do hospital prá tentar reconstruir o lugar. Tem muitas ruínas de casas e até de uma igreja que era bem grande. Eles estão com planos de reconstruí-la sobre o alicerce antigo. É muito trabalho mesmo! A própria casa da irmã do Dr. Foster foi construída sobre as ruínas de uma casa de um dos missionários. Todo o material foi trazido de navio dos Estados Unidos, mas valeu a pena, porque a casa ficou ótima! No domingo o Du pregou na igrejinha de local, para mais de 200 pessoas, com tradução simultânea para a língua local ganguela. Na volta aqui para Lubango, sobrevoamos a Tunda Vala, aquela fenda enorme que forma um desfiladeiro e é um dos pontos turísticos mais famosos de Angola. Simplesmente deslumbrante!
OBS: Mensagem escrita pela Norinha e editada por mim

segunda-feira, 21 de março de 2011

Convidados para a grande festa

Todas as segundas-feiras há um culto para os pacientes no hospital. Já preguei algumas vezes ali e nessa semana novamente fui convidado a dar “a palavra”. Fiz uma meditação na parábola da grande festa, relatada no evangelho de Lucas capítulo 14:15-24. Nessa história, Jesus conta sobre o “grande banquete apocalíptico”, ou seja, o banquete final, imagem da restauração e redenção final da humanidade, vivendo na presença de Deus em paz e justiça afinal. Porém, nessa história, surpreendente e injustificadamente, muitos se recusam a ir. Contei a história e fiquei imaginando quantos ali que me ouviam não tinham o suficiente sobre suas mesas, mas estavam convidados a participar desse banquete. Aliás, os ricos da parábola nem quiseram ir ao banquete, preferindo se distrair com seus próprios afazeres, suas próprias posses, ou seus próprios relacionamentos. Os que eram pobres, aleijados, alijados, foram os que acabaram assentando-se à mesa. Assim eram muitos ali: doentes, com incapacidades físicas, sociais, financeiras, mas que podiam desfrutar já antecipadamente da paz, alegria e da festa de ser aceito por Deus, e se relacionar com Ele. Sei que isto pode soar como escapismo ou apenas uma idéia etérea para minimizar os problemas terrenos reais, mas não vejo assim. É uma esperança real, concreta, que anima e motiva, sabendo que o bem há de prevalecer, como todos os bons filmes testificam. Nos leva também a no presente lutar por uma sociedade mais justa e fraterna, sinal do Reino de Deus entre nós.

domingo, 13 de março de 2011

Dia Internacional da Mulher? Eihn??

Esse ano aqui eles perderam um de seus feriados: o dia internacional da mulher, que é feriado nacional aqui, caiu na terça de carnaval, também feriado. Assim, não se lembrou muito da mulher, já que aqui também tem "folia", apesar de se limitar basicamente à terça-feira e não contagiar tanto o país como o que acontece no Brasil.
Bem, o que queria comentar não é sobre o carnaval e sim sobre o Dia Internacional da Mulher, diante do que acontece aqui. Na quarta-feita, dia 09, atendi uma senhora que havia vindo de longe para consulta. Trazia inúmeras receitas e exames, simples e básicos mas numerosos, que não mostravam doença aparente. Suas queixas eram um pouco como chamamos no meio médico "inespecíficas", do tipo dor no peito e nas costas, mas sem apontar para uma doença cardíaca, pulmonar ou da caixa torácica. Tinha também insônia e parecia deprimida, apesar de negar estar "para baixo". (Um parêntese: minha experiência aqui é que os angolanos tendem a negar problemas emocionais, ainda mais do que os brasileiros, o que parece ser assim o substrato mais favorável para o surgimento das doenças chamadas psicossomáticas, ou seja, o corpo grita quando nossa mente não produz outros meios de expressar os "problemas da alma".)
Enfim, diante dessa impressão comecei a indagar um pouco sua vida pessoal e ela me revelou o seguinte: foi mãe de sete filhos, dos quais seis ainda vivem, o mais velho com 17 anos e o mais novo com quatro anos. O "esposo", se posso chamar assim, no início a tinha como única esposa, mas com o passar do tempo foi arrumando mais esposas, e atualmente era "esposo" de cinco (!!!). O número de filhos foi diminuindo à medida que as esposas se acumulavam. Três com a segunda, dois com a terceira, um com a quarta e a quinta, uma adolescente de 17 anos, encontra-se grávida no momento. Perguntei com qual delas ele vivia ou como se dividia entre suas mulheres. Ela então me disse que não sabia bem. Nunca dorme na casa dela nos últimos anos, mas vem todos os dias para pegar suas roupas lavadas, comer, e, pasmem, pegar dinheiro com ela, que tem uma vendinha na feira popular daqui, chamada de "praça". Ela disse que até agressões físicas sofria do "marido", especialmente se não lhe dava dinheiro.
Enquanto ia perguntando e ela ia respondendo, algumas lágrimas apareceram em seus olhos. Tinha motivos para as dores no peito e nas costas! Que situação mais oprimente!
O pior é que esta história aqui se repete de forma tão freqüente... e se repete também por toda África, infelizmente, tanto no ambiente urbano, quanto, até de forma mais comum, no ambiente rural, em culturas onde o privilégio masculino e a opressão feminina ainda sobrevivem no mundo atual. Além disso, para piorar a situação, a violência doméstica é extremamente comum aqui, quadro agravado pelo consumo quase que desenfreado do álcool.

O que vale o Dia Internacional da Mulher como feriado nacional?

Nos faz lembrar a conversa de Jesus com a mulher samaritana, relatada no capítulo 4 do evangelho de João: "se você conhecesse quem é esse que te pede água, você lhe pediria e ele te daria da água da vida."
Viva a mulher angolana! Que Deus as ajude a enxergar a sua própria dignidade e a quebrar esse jugo perverso!

sábado, 5 de março de 2011

Você já ouviu falar de fístula vésico-vaginal?


Fique tranqüilo: não é nenhum termo pornográfico. Na verdade, é uma doença. Não me lembro se conhecia essa doença antes de vir para a África. Aqui, fiquei conhecendo não apenas a doença, mas seus terríveis efeitos.
Se trata normalmente de uma complicação obstétrica (especialmente aqui na África), geralmente em partos muito prolongados, que levam até dias. A situação mais comum aqui é a seguinte: meninas novas, pobres e sem acesso a assistência médica, se engravidam e na hora do parto, a cabeça da criança simplesmente é maior do que a passagem da sua pelve, ou há alguma outra complicação que dificulta a passagem do bebê. O trabalho de parto se prolonga indefinidamente já que ou não têm acesso a serviços de saúde (o que é mais frequente) ou não querem ir ao hospital por medo ou vergonha de não "conseguirem ser mãe por si mesmas." Com a morte do bebê ao fim do trabalho de parto infindável e mal sucedido, acontece também a laceração da bexiga e da vagina.
As consequencias médicas, psicológicas e sociais são simplesmente trágicas: a menina perde a criança, com todo o peso emocional disto, e fica com uma ferida que faz a urina "vazar" da bexiga para a vagina, fazendo que ela fique constantemente "molhada" e com cheiro de urina.
O marido geralmente abandona sua esposa jovem em decorrência disso, com toda a humilhação e opróbrio secundários. Além disso, devido ao seu mau cheiro, as meninas acabam vivendo isoladas da família e da sociedade.
Triste demais, né? Bom, a boa notícia é que nosso hospital tem uma verba especial de uma entidade norte-americana, a Fistula Foundation, para tratar essas meninas, que geralmente são muito pobres e vêem dos grotões longínquos do país. Elas são operadas e acompanhadas em nosso hospital, que oferece também apoio logístico para ficarem por perto até o término do tratamento. Muitas têm assim sua saúde e dignidade restauradas.
Fico muito feliz por este trabalho que nosso hospital faz, mudando a realidade de tantas meninas de forma tão significativa.
Essa foto é de uma enfermeira canadense que passou conosco três meses e se dedicou a dar aulas para as meninas com fístula, ajudando-as a melhorar sua auto-estima e ensinando-as coisas práticas como matemática simples, costura e artesanato. Bonito trabalho. Valeu, Angela.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Gosto doce e azedo

Estamos de volta à bela Lubango, graças a Deus. É bom estar aqui, sentindo que é aqui que o Senhor nos colocou para servi-lo. Tivemos um bom tempo no Brasil, revendo família, amigos, irmãos. E comendo muito hehehe. Engordei 3 kg, apesar de ter tentado segurar e ter aumentado a atividade física. Agora é correr atrás do prejuízo, metafórica e literalmente. Aliás, estou correndo agora em Lubango de uma maneira mais regular. Tenho corrido nas ruas de terra mesmo, apesar de que a chuva nessa época, quase que todo dia e algumas vezes o dia todo, atrapalha bastante. É interessante correr no meio das vilas aqui, e acho que chamo muito a atenção. O pessoal fica olhando, às vezes rindo, às vezes acenando, diante da insólita visão de um branquelo invadindo correndo o seu mundo. É meio humilhante para mim, que sirvo de espetáculo, mas se faço pessoas felizes tá bom hehehe. Ontem ao passar por mim um rapaz fez uma gozação gritando: "Ô escurinho..." Acho que ele estava rindo das minhas pernas brancas eheheh.

No hospital os sentimentos oscilam entre a satisfação de se fazer o bem e a tristeza de não conseguir fazê-lo. Na quinta-feira chegou um menino de três meses com insuficiência respiratória e o diagnóstico que conseguimos dar foi de malária grave, acometendo o pulmão. Fizemos o possível diante dos nossos recursos limitados para salvá-lo, mas ele evoluiu para a morte em poucas horas. Quando estava agonizando, perguntei para a tia que estava ao lado da cama, já que parece que a mãe não estava agüentando aquela cena, sobre quantos filhos a mãe tinha, tentando me consolar se ouvisse que a mãe tinha muitos outros filhos, o que é comum aqui. A resposta porém, ao invés de consolar, me entristeceu mais, já que a mãe tinha tido cinco filhos, mas esse era o terceiro que morria, só sobrando à mãe duas meninas. Algo trágico demais mas, infelizmente, nem tão incomum aqui. Se a gente no Brasil não consegue aceitar a perda de um filho, e com razão, fiquei tentando imaginar o que significava já ter perdido três dos cinco filhos, todos amados certamente, diante do amor que essa mãe mostrava por esse pequenininho.

A gente aqui fica pensando se há esperança para essa terra, se Deus pode fazer alguma coisa, e por que não faz o que a gente gostaria de ver? Estou lendo o livro "Oração" do Philip Yancey, onde ele reflete sobre essas perguntas, sem cair em clichês e simplismos. Continuemos a orar por Angola. "Que venha o teu Reino, Senhor."