sexta-feira, 29 de abril de 2011

Vencemos a viagem!



Estávamos preocupados com a viagem que faríamos: mais ou menos 1300 km, sendo 450 em Angola e o restante na Namíbia. A parte de Angola tem um trecho de 90km em que 80km estão totalmente destruídos, diferentemente do restante do trajeto. Levamos 4 horas (literalmente) para percorrer esses 80 km, e outras 4 horas para percorrer os outros 380 km em que as condições são boas. A foto da postagem mostra um pouco da situação. Se repararem, há uma estradinha ao lado da estrada principal. Na verdade, sempre há duas ou três estradas menores, abertas devido às péssimas condições da estrada principal. Isso leva a gente a perguntar por que se abrem estradas paralelas e não se conserta a estrada principal. Por que, quando o país recebe divisas devido à exportação de petróleo e diamantes principalmente, não se investe na principal via de comércio terrestre, que traz coisas da Namíbia e da África do Sul, evitando atrasos, perdas, etc? Parece que a resposta é óbvia, não muito diferente do que temos no Brasil, apenas um pouco piorado: os governantes estão mais preocupados com seus próprios "problemas" do que com os problemas do país.
A outra foto é da famosa árvore daqui, muito vistosa, o umbundeiro, símbolo da terra e também lugar ao redor do qual a comunidade se reúne. Muito bonita árvore. No nosso caminho, era fonte de inspiração e também providenciava o único local de abrigo em quilômetros e quilômetros de estrada sem posto ou lanchonete disponíveis.
Na fronteira, outra "batalha" que temíamos em parte, foi tudo relativamente tranquilo. O único problema é que apesar de estarmos no domingo de páscoa e próximo ao horário de fechamento da fronteira, não tínhamos o tumulto de sempre mas havia literalmente dezenas de jovens tentando "ajudar". Só que essa "ajuda" não era muito bem vinda. Eles nos cercam, querendo nos direcionar no que fazer, mas em troca de dólares e numa disputa acirrada entre eles. Uma situação muito desconfortável. Para piorar a situação, não há qualquer sinalização ou direcionamento por parte dos funcionários da fronteira, e um guarda quis me "multar" dizendo que parei o carro no lugar errado, apesar de haver dezenas de outros carros lá e não haver qualquer indicação de onde se deve parar. Argumentei com ele o absurdo da tal multa, que obviamente era só uma tentativa de extorquir, dada a inconsistência da mesma. Ele acabou amolecendo, apesar de que o rapaz que acabou nos "ajudando" disse que o guarda estava esperando seu "pagamento". Pregamos para o rapaz, que estava quase alcoolizado, e falamos da esperança em Cristo para uma nova vida. Ele acabou concordando que não deveríamos dar a grana que o guarda pediu e passamos sem maiores problemas, graças a Deus.
No lado da Namíbia ainda eram cerca de 800km a vencer, mas pernoitamos perto da fronteira e no outro dia fizemos a viagem sem maiores problemas. Nos chamou atenção que enfrentamos umas 6 ou 7 barreiras policiais, mas, ao invés de estarem atrás de propinas, estavam mesmo buscando irregularidades, especialmente motoristas que estavam excedendo no feriado prolongado, seja na bebida ou na velocidade.
Com um coração agradecido e aliviado chegamos no fim do segundo dia a Windhoek, capital na Namíbia, onde vamos aguardar nosssos vistos para voltarmos ao trabalho.
Orem conosco para que nosso tempo aqui seja breve e abençoado.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Terra da vida e da morte

A taxa de natalidade aqui é incrível. Dá uma média de seis filhos por mulher. É muito comum a gente encontrar mulheres jovens com oito e até dez filhos. Um amigo nosso ginecologista do Brasil disse que estava ajudando em um projeto de atendimento de casos de infertilidade em Luanda e nossa reação foi mais ou menos assim: você está louco? O que eles mais têm aqui é fertilidade.

O triste é que muitas vezes, dos oito ou dez filhos, 2 ou 3 ou 4 já morreram, por muitos motivos, geralmente ainda pequenos. Além da enorme taxa de natalidade, a mortalidade infantil é altíssima, e a expectativa de vida aqui ainda é na faixa dos 40 anos de idade. A malária, a febre tifóide, a tuberculose, sem falar na SIDA, matam muito aqui, sem contar as outras causas comuns também ao resto do mundo.

No último sábado assinei três atestados de óbito (e olha que o hospital só tem cerca de 35 leitos). Um dos casos não me deixou tão triste, já que era um senhor que vinha sofrendo de câncer de estômago já há dois anos, e sabíamos que ia morrer a qualquer momento. Os outros dois porém me deixaram muito triste: um era uma criança de 6 anos, que estava há vários dias no Hospital Pediátrico aqui da cidade e os pais resolveram levar para o nosso hospital. Já chegou muito grave, com infecção generalizada na barriga, causada pela bactéria Salmonella da Febre Tifóide. Uma doença basicamente causada por água não filtrada e contaminada. Dr Foster o operou mas não pode fazer muito, já que a infecção estava alastrada por todo abdome.

O outro caso me deixou também muito triste: uma criança de 9 anos, que chegou ao hospital com crises convulsivas de início há alguns dias, e não tivemos condições de dar nenhum diagnóstico específico, só descobrimos que a criança tinha também um problema no coração, que não temos certeza se fazia parte do mesmo problema. Tentamos controlar as crises, mas com dificuldades para conseguir as medicações aqui a criança acabou falecendo de complicações. Fiquei muito chateado pois não tivemos a chance nem de dar o diagnóstico; ou seja, de saber se era algo que poderia ser tratado ou não.

Assim, temos esse contraste absurdo, onde o nascimento e a morte são experiências tão frequentes aqui. Parece que as famílias estão continuamente celebrando a morte e a vida, o nascimento ou o falecimento de alguém. Talvez a morte e o nascimento sejam até um pouco banalizados, diante da frequência com que acontecem aqui.

Estava lendo um texto em que o autor chamava a atenção para o fato de que nesses momentos em especial a fragilidade humana é exposta com muita força.

Infelizmente, já que nosso hospital é mais um hospital geral e menos uma maternidade (apesar de que temos também partos lá), convivemos muito mais com a morte do que com o nascimento.

Nossa oração é que possamos ser aqui testemunhas do Senhor, o autor e doador da vida, e que venceu a morte por nós. Oramos também para que sejamos seus instrumentos para salvar vidas, tanto no sentido natural quanto no sentido espiritual.